sábado, fevereiro 13, 2016

Dengue: decifra-me, mas não me conclua, eu posso te surpreender.

O uso da frase da esfinge (“Decifra-me ou devoro-te”) apareceu em material distribuído pelo Ministério da Saúde, em 2010. Para contrapô-lo, invoquei, para o título acima escolhido, a frase da nossa preciosa Clarice Lispector. O que pretendo aqui é declarar que devemos deixar de fazer “mais do mesmo” para que realmente tenhamos indicadores para comemorar no que diz respeito à incidência da dengue no Brasil. Tenho acompanhado interessadamente a importância que a imprensa tem dado ao tema, particularmente no Estado de São Paulo. Por que não conseguimos melhorar esse quadro?
            Quando entrei, como biólogo, para a Vigilância Ambiental em Brasília, deparei-me com um recém recorde negativo no DF: os casos de 2010 tinham detonado qualquer estatística anterior. Devotei-me para tentar entender o porquê. Logo depois, passei a pesquisar cientificamente a situação, entrando no programa de mestrado em Bioética, da Universidade de Brasília. Minha base de estudo era os programas governamentais para o controle da dengue. Foram quatro: um em 1996 (PEAa), outro em 2001 (PIACD), outro em 2002 (PNCD) e o atual, que é de 2009 (DNPCED). Em minha dissertação, chequei se os objetivos principais desses programas foram cumpridos e cheguei a conclusão desanimadora: não foram. O óbvio parece estar nos fatos: a necessidade de um novo programa, a priori, significa o fracasso, ainda que parcial, do anterior. Apesar de novos estatutos para ação governamental os casos não pararam de aumentar:

            O último documento norteador das ações é o Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Endemias da Dengue (DNPCED), publicitado em 2009. Nele, o objetivo principal é o de evitar óbitos. Vejamos: se compararmos os quatro anos anteriores ao programa e os quatro anos seguintes, percebe-se que o número de óbitos no Brasil após o programa foi mais que o dobro dos anos anteriores ao programa (1965 contra 864).


            Assim, embasado pelos fatos e não por elementos de discurso, insisti em procurar onde poderiam estar as falhas do governo, na tentativa de ajudar a seguir por caminhos mais concisos, financeiramente mais justos e ecologicamente mais corretos.  Aliando minha história de oral de vida e a análise minuciosa do DNPCED percebi três possíveis enganos estratégicos e/ou metodológicos: o modo de levantamento da população dos mosquitos, a eficácia do uso dos inseticidas e o papel dos gestores e dos agentes. Tentando ser breve, cheguei as outras conclusões de desalento – temos problemas em todos eles. Quando comparei o levantamento da população do mosquito transmissor (o Aedes aegypti) e a incidência da doença em Goiás  e no DF (apenas comparando os dados oficiais dos governos) percebi que em muitos municípios (ou regiões administrativas, no caso do DF) tidos como “sem risco” segundo o inquérito das larvas do vetor, estavam pululando de casos de dengue e vice-versa. Ora, isso mostra a fragilidade do LIRAa (o levantamento demográfico do mosquito via identificação das larvas nos depósitos) como “carta de navegação” para as ações do Estado (como o documento preconiza). Sobre a eficácia do inseticida, não foi difícil entender que além de caro, tóxico para o servidor, para a população e para o meio ambiente, seu uso é de resultado questionável. São tantas as variáveis para que o lançamento do veneno dê certo que é mais esperado que não dê. São necessários, entre outros, clima favorável, relevo favorável, horário favorável, ausência de barreiras naturais e artificiais, repetição sistemática e organizada, além de matar apenas os mosquitos adultos e que estejam voando no momento da aplicação. Para terminar, por meio de questionários que apliquei (devidamente autorizados pelo Comitê de Ética da Universidade de Brasília), pude constatar que os agentes e os gestores não cumprem muitas das determinações preconizadas pelo Ministério da Saúde, presentes no DNPCED como: reuniões intersetoriais, levantamento de dados, comunicação dos dados obtidos, relação com a comunidade em que atuam.
            Controlar o mosquito deve ser uma parte importante mas pode ser secundária no plano geral. A erradicação do mosquito parece não poder ser conseguida. Não precisamos de mais motivos para apresentar visando confirmar que é absoluta presunção de que eliminaremos pombos, baratas, ratos e mosquitos, até porque a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH) ressalta em seu artigo 17, a necessidade da preservação da biodiversidade. Eles estão absolutamente ocupando um nicho criado por nós e nossas mudanças de hábitos poderão diminuir suas presenças mas elas permanecerão. Não somos controladores a tal ponto de quem deve ou não permanecer aqui. As políticas públicas para animais sinantrópicos sempre estiveram ortodoxamente afinada com o discurso químico, para mim, uma espécie de biofascismo. Esse modelo é alienante e pensa que essa resolução é única e óbvia. Não é. Além de ferir o conceito desenvolvido pelo filósofo alemão Hans Jonas, de responsabilidade com o futuro, ela parece estar a serviço de interesses pessoais, determinada por segmentos que apresentam algum conflito de interesses, e os maus resultados advêm de olhares significados dentro de uma ótica inquestionada. Precisamos olhar diferente para o problema da saúde e do meio ambiente como algo complexo, intersetorial, politizado e bioético.

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