O
uso da frase da esfinge (“Decifra-me ou devoro-te”) apareceu em material
distribuído pelo Ministério da Saúde, em 2010. Para contrapô-lo, invoquei, para
o título acima escolhido, a frase da nossa preciosa Clarice Lispector. O que
pretendo aqui é declarar que devemos deixar de fazer “mais do mesmo” para que realmente
tenhamos indicadores para comemorar no que diz respeito à incidência da dengue
no Brasil. Tenho acompanhado interessadamente a importância que a imprensa tem
dado ao tema, particularmente no Estado de São Paulo. Por que não conseguimos
melhorar esse quadro?
Quando entrei, como biólogo, para a
Vigilância Ambiental em Brasília, deparei-me com um recém recorde negativo no
DF: os casos de 2010 tinham detonado qualquer estatística anterior. Devotei-me
para tentar entender o porquê. Logo depois, passei a pesquisar cientificamente a
situação, entrando no programa de mestrado em Bioética, da Universidade de
Brasília. Minha base de estudo era os programas governamentais para o controle
da dengue. Foram quatro: um em 1996 (PEAa), outro em 2001 (PIACD), outro em
2002 (PNCD) e o atual, que é de 2009 (DNPCED).
Em minha dissertação, chequei se os objetivos principais desses programas foram
cumpridos e cheguei a conclusão desanimadora: não foram. O óbvio parece estar
nos fatos: a necessidade de um novo programa, a priori, significa o fracasso,
ainda que parcial, do anterior. Apesar de novos estatutos para ação
governamental os casos não pararam de aumentar:
O último documento norteador das
ações é o Diretrizes Nacionais para a
Prevenção e Controle de Endemias da Dengue (DNPCED), publicitado em 2009. Nele,
o objetivo principal é o de evitar óbitos. Vejamos: se compararmos os quatro
anos anteriores ao programa e os quatro anos seguintes, percebe-se que o número
de óbitos no Brasil após o programa foi mais que o dobro dos anos anteriores ao
programa (1965 contra 864).
Assim, embasado pelos fatos e não
por elementos de discurso, insisti em procurar onde poderiam estar as falhas do
governo, na tentativa de ajudar a seguir por caminhos mais concisos,
financeiramente mais justos e ecologicamente mais corretos. Aliando minha história de oral de vida e a
análise minuciosa do DNPCED percebi
três possíveis enganos estratégicos e/ou metodológicos: o modo de levantamento
da população dos mosquitos, a eficácia do uso dos inseticidas e o papel dos
gestores e dos agentes. Tentando ser breve, cheguei as outras conclusões de
desalento – temos problemas em todos eles. Quando comparei o levantamento da
população do mosquito transmissor (o Aedes
aegypti) e a incidência da doença em Goiás
e no DF (apenas comparando os dados oficiais dos governos) percebi que
em muitos municípios (ou regiões administrativas, no caso do DF) tidos como “sem
risco” segundo o inquérito das larvas do vetor, estavam pululando de casos de
dengue e vice-versa. Ora, isso mostra a fragilidade do LIRAa (o levantamento
demográfico do mosquito via identificação das larvas nos depósitos) como “carta
de navegação” para as ações do Estado (como o documento preconiza). Sobre a
eficácia do inseticida, não foi difícil entender que além de caro, tóxico para
o servidor, para a população e para o meio ambiente, seu uso é de resultado questionável.
São tantas as variáveis para que o lançamento do veneno dê certo que é mais
esperado que não dê. São necessários, entre outros, clima favorável, relevo
favorável, horário favorável, ausência de barreiras naturais e artificiais,
repetição sistemática e organizada, além de matar apenas os mosquitos adultos e
que estejam voando no momento da aplicação. Para terminar, por meio de
questionários que apliquei (devidamente autorizados pelo Comitê de Ética da
Universidade de Brasília), pude constatar que os agentes e os gestores não cumprem
muitas das determinações preconizadas pelo Ministério da Saúde, presentes no DNPCED como: reuniões intersetoriais,
levantamento de dados, comunicação dos dados obtidos, relação com a comunidade
em que atuam.
Controlar o mosquito deve ser uma
parte importante mas pode ser secundária no plano geral. A erradicação do
mosquito parece não poder ser conseguida. Não precisamos de mais motivos para
apresentar visando confirmar que é absoluta presunção de que eliminaremos
pombos, baratas, ratos e mosquitos, até porque a Declaração
Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH) ressalta em seu
artigo 17, a necessidade da preservação da biodiversidade. Eles estão
absolutamente ocupando um nicho criado por nós e nossas mudanças de hábitos
poderão diminuir suas presenças mas elas permanecerão. Não somos controladores
a tal ponto de quem deve ou não permanecer aqui. As políticas públicas para
animais sinantrópicos sempre estiveram ortodoxamente afinada com o discurso
químico, para mim, uma espécie de biofascismo. Esse modelo é alienante e pensa
que essa resolução é única e óbvia. Não é. Além de ferir o conceito desenvolvido
pelo filósofo alemão Hans Jonas, de responsabilidade com o futuro, ela parece
estar a serviço de interesses pessoais, determinada por segmentos que
apresentam algum conflito de interesses, e os maus resultados advêm de olhares
significados dentro de uma ótica inquestionada. Precisamos olhar diferente para
o problema da saúde e do meio ambiente como algo complexo, intersetorial,
politizado e bioético.
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