Seu Joaquim (entrevistado na
reportagem “O mal esquecido” do Correio Braziliense, de 05/02/2012) vive no
município de Santa Maria da Vitória (BA). A cidade tem um IDH considerado
médio, com 0,669. O município fica no sertão nordestino e convive com uma
protozoose de conhecimento secular: a doença de Chagas.
figura
1. Localização de Santa Maria da Vitória (BA).
A doença é causada por um
micro-organismo, um protozoário flagelado chamado Trypanosoma cruzi. Microscópio, ele por vezes apresenta como
instrumento de deslocamento, uma projeção celular chamada flagelo que
chicoteando permite-lhe movimento. Originariamente, sua transmissão se dá pelas
fezes de insetos hematófagos chamados popularmente de barbeiros. No mundo,
existem 140 espécies de triatomíneos (família dos barbeiros), sendo que 69
ocorrem no Brasil. A principal espécie transmissora é o Triatoma infestans. Sua população está controlada, dito por alguns
como erradicada. Essa espécie chamava atenção por sua competência em transmitir
o parasito além de ser o mais domiciliado delas (adaptação ao interior das
casas). Entretanto, a evolução prega peças: existem pelo menos quatro outras
espécies que devem ser monitoradas porque são candidatas à reocupação de espaço
tão nobre (figura 2).
Figura
2. Possíveis espécies oportunistas na ocupação de nicho vago com a eliminação
química do T. infestans.
A vantagem atual que temos é a de
que as outras espécies são silvestres e quando próximas do ser humano preferem
seus animais que eles. É relativamente fácil, por exemplo, na região de Santa
Maria, encontrar o T. sordida nos
galinheiros. Mas até quando? Há várias tragédias anunciadas na história recente
da evolução que indica que alguns poucos desvios de comportamento já existentes
na população podem ser suficientes para que indivíduos mais tolerantes à
espécie humana e seus modos, possa a ser incrivelmente selecionados
positivamente, criando uma perigosa substituição, o que revitalizaria o ciclo
vetorial da transmissão de Chagas.
A transmissão da Doença de chagas não é unicamente feita
pelos barbeiros:
Perceba abaixo a evolução da transmissão, por exemplo, no
que diz respeito aos candidatos à transfusão de sangue no país:
Fonte: http://portal.saude.gov.br/ (Acessado em
05/02/2012)
O controle do vetor foi feito com programas de controle
químico. Esse controle não é feito mais. A vigilância trabalha com a implementação
dos PITs (Posto de Informação de Triatomíneos).
Estão espalhados pelo Brasil inteiro. Neles, os barbeiros são recebidos,
identificados e avaliados no que diz respeito à contaminação. Segundo dados de
Posse (GO), o índice de contaminação foi de aproximadamente 1 para cada 1 mil
animais coletados.
Enquanto isso, o poder público deveria agir em outra
frente: na substituição de casas de pau-a-pique por aquelas de alvenaria. O Programa de Melhoria Habitacional para o
controle da doença de Chagas foi incorporado no PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento), mas as notícias são de que os repasses estão doentes.
Enquanto isso, três milhões de brasileiros (1,5% da
população) apresentam o quadro crônico da doença. O tratamento é repleto de
efeitos colaterais e só deve ser ministrado quando o custo é inferior ao
benefício. A encíclica é conhecida. Seu Joaquim diz: “Estamos largados para as
cobras. Não vem ninguém aqui. Parece que não tem governo.” A última visita
aconteceu há quase 6 anos. Cabe aos moradores um guerra solitária. Termino esse
solidário texto com os colegas do jornal com uma fala de Dona Maria, esposa de
Seu Joaquim: “Meus filhos ficam iluminando com lanterna dentro de casa. Quando
o bicho voa para dentro de casa, a gente mata” e Seu Joaquim complementa: “Não
tenho medo de barbeiro. Isso não é onça.”
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