segunda-feira, agosto 27, 2018

As orcas e a educação


Pude perceber que o meu discurso sobre a escola tradicional me aproximou de um território que cada dia mais, sinceramente me emociona: o da educação inclusiva. O primeiro grupo que me procurou foi o dos altos-habilidosos - massacrados pela linearidade da escola e de seus dispositivos. Depois, comecei a ser procurado por famílias cujos alunos apresentavam diagnósticos de transtornos, especialmente de humor [como depressão], de ansiedade e de neuroaprendizagem [como déficit de atenção, espectro autista e deficiência intelectual – como Síndrome de Down]. Hoje, lido com todos eles em um mesmo espaço, juntos aliás de indivíduos considerados "neurotípicos", inclusive de idades diferentes. Nesse tempo, aproximei-me rapidamente de psicólogos, de várias bases epistemológicas. Foi sempre – até aqui – uma aproximação muito positiva, de troca e respeito. Foi de uma psicóloga que divide comigo o acompanhamento de um aluno, que veio a indicação do filme O FAROL DAS ORCAS. O enredo é baseado em história real, sobre uma criança autista.
Sem fala, com atitudes de repetição, isolado do mundo, marcado fisicamente pela automutilação, ao ver um documentário na TV sobre um biólogo e seu relacionamento com a orcas, o menino Tristán se sente inserido, aproxima-se da TV e acaricia a tela. Também faz um movimento com os dedos, com a mão espalmada, para indicar sua felicidade. A mãe não mede esforços, e eles [mãe e filho] percorrem milhares de quilômetros de Madrid até a Argentina patagônica, para um cenário paradisíaco entre dois faróis, onde lobos-marinhos e orcas vivem alheios a pouca presença humana.
Os ganhos psicossociais e cognitivos de Tristán são de uma veracidade tocante e permitem-nos imaginar que, ainda que estejamos distantes das orcas e das praias, consigamos uma condução pedagógica para atingir uma verdadeira inclusão. O que se vê no filme é uma lógica da qual sou absoluto entusiasta, não só para a inclusão de alunos especiais, mas para todos os alunos.
Primeiro: a TV funcionou como exposição livre de conteúdo.
Segundo: a criança, entre tantos programas que a TV passou, escolheu livremente o que a tocava, o que lhe era verdadeiro.
Terceiro: em face ao consentimento autêntico do sujeito [a criança] o caminho pedagógico foi criado e aumentado pelos mediadores educativos [o biólogo, a mãe, as pessoas do entorno]. E os avanços [sem querer dar spoiler] são emocionantes e contundentes.
Não há preço, especialmente vindo de uma criança – vê-la tornar-se ela mesma, sem interditos de regras estapafúrdias, sem currículos inventados, sem provas e exames adestradores, sem o autoritarismo conservador que vivenciamos na instituição escolar.
É esse o lugar pedagógico que tanto defendo.

Nenhum comentário:

O ensino-anfioxo

Provavelmente todos os professores de biologia brasileiros vão morrer sem ver um anfioxo. Mas passam mais tempo falando de...