sábado, maio 12, 2018

A SALA DE AULA


Quando nossas crianças e nossos adolescentes entram em sala de aula e o sinal toca,
um processo enigmático ocorre: a realidade é suspensa.
Quando a aula começa, somos catapultados desta dimensão para outra.
Uma dimensão adimensional.
As realidades são imediatamente mutiladas e aniquiladas para renascerem mais mortas
depois, quando sinal tocar novamente para alforriá-los dessa leniência de si. A sala de
aula não é sequer
metáfora da aprendizagem, muito menos da vida. Não há ações que possam ser
reclamadas à sala de aula que possam ser horizonte da presença de um sujeito em
produção ou em descoberta.
O compartimento de paredes, câmeras e relógios panopticamente observando todos e
monitorados pelo diretor que passa o tempo torcendo para o tempo passar sem qualquer
intercorrência, engana a si e a todos, de que esteja havendo minimamente algo que
poderíamos chamar de educação.
Não há desenvolvimento cognitivo definitivo, não há aquisição de conceitos significantes
porque não há legitimidade de realidade. O real não pode ser antecipado e nem preparado
em um ambiente desprovido de realidade, coercitivo de sobrelinearidades, dominado pelo
silêncio e pela atividade de um único indivíduo, aquele que detém o poder: o professor
administrado e regimizado pelo sistema. Não há como esperar competências a partir do
enunciado condensado e enviesado de um único interlocutor. Competências são resultantes
do protagonismo do aluno.
Não há como desenvolver habilidades, atitudes e solução de problemas quando não há
chance de elas serem legitimamente autorais e livres, apenas mediados consentidamente
por um profissional qualificado.


A sala de aula deveria acabar. Ela é o símbolo de toda perversidade de um sistema de
ensino que só nos faz abandonar o vigor da vida, que flui para além das janelas e dos
muros do edifício da escola. Lá fora é onde a realidade de tudo acontece. Deveríamos
ter aulas na mata, na fazenda, nos museus, nas rodoviárias, na rua, nos pátios, em
qualquer espaço democraticamente escolhido.


A aniquilação de todas as liberdades violentadas pelas paredes da sala de aula provoca a
aniquilação de qualquer processo criativo, crítico, social, democrático, empático. Somem
o riso, o ócio, a paixão, a arte, a estética, a autenticidade, a solidariedade, o livre
engajamento social, a brincadeira, a conversa, a possibilidade de sermos.

Restam-nos a ansiedade, a depressão, o medo, a impotência, a doença psicossomática,
os remédios, a desconfiança de si, a ignorância.

A sala de aula é a cela de aula.

A sala de aula deveria acabar na próxima segunda-feira.

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