segunda-feira, agosto 29, 2011

Recriando o macaco


O filme é bom. A fantasia molecular é melhor ainda. Um laboratório desenvolve um medicamento que propicia um desenvolvimento nervoso acima do esperado. Novos neurônios, novas sinapses, uma possibilidade de cura para doenças degenerativas do sistema nervoso. Entre a cura e a produção do medicamento, o centro de pesquisa usa um vírus, um quase-messias.
Vou me auto-indicar como um avaliador do argumento desenvolvido por Amanda Silver e Rick Jaffa – roteiristas do filme. Três situações do filme foram perigosas do ponto de vista científico. Vou tentar respondê-las.
1.     Um vírus poderia alterar o sistema nervoso tão profundamente?
2.     Essa alteração poderia passar diretamente para seus descendentes?
3.     Um macaco poderia falar?
Mãos à obra.
Resposta número 1: sim.
Já possuímos técnica para modificarmos vírus. Nele, podemos colocar qualquer informação que quisermos. Podemos introduzir neles, genes que estimulem qualquer comportamento celular, inclusive o da capacidade de divisão e diferenciação. Foi assim que foram obtidas pelo japonês Shinya Yamanaka, em 2007, as célula-tronco de pluripotência induzida (IPS) – com introdução gênica por retrovírus. Sendo assim, se soubermos que genes são importantes para desempenho e recuperação nervosa, eles poderão ser colocados propositalmente em seres humanos (ou nossos parentes primatas) garantindo-lhes uma nova resposta nervosa.
Interessante. O mesmo vírus que permitiu o aumento da capacidade mental dos macacos foi fatal para a espécie humana. Essa reação diversa também é compatível com dados reais. Cada espécie, por mais próxima que seja de outras, tem suas particularidades.
Resposta número 2: sim.
O filme não deixa claro como isso poderia acontecer, mas eu vos digo: há duas formas. A primeira: se os genes foram introduzidos nas células, poderia incluir as células gaméticas e assim serem herdáveis como qualquer outro gene original. Outra forma seria via transmissão vertical dos vírus, ou seja, os vírus da mãe passariam para os filhos. Isso acontece com diversas viroses como a rubéola e a AIDS. Acontece também no caso de mosquitos da dengue que já nascem contaminados com o vírus presente na fêmea original.
Resposta número 3: talvez.
Falar não é somente uma capacidade nervosa. Depende de genes específicos mas também da anatomia da região craniana. Recentemente, uma hipótese para o insucesso dos neandertais foi levantada: elas não falavam entre si. Essa ideia foi sustentada com base nas aberturas cranianas para passagem de nervos que controlariam o mecanismo da fala. Elas são estreitas demais para o controle da vocalização. Haveria de se investigar qual é a situação nas espécies do filme. Além disso, existem os genes da fala. Seria necessário que eles estivessem originariamente nos macacos (chimpanzé, gorila e orangotango – os macacos do filme) ou então também estivessem no vírus modificado.

Como eu disse, o filme é bom. E dá uma interessante e moderna aula de biologia.

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