quarta-feira, dezembro 01, 2010

A nova Ilha das flores

    Foi em 1993 quando eu estava em Belo Horizonte no Encontro Nacional de Estudantes de Biologia (apesar de já estar formado) que entrei em uma sala da UFMG para assistir pela primeira vez o curta-metragem "Ilha das flores" de Jorge Furtado. Foi um choque. Fiquei extasiado com o formato, a linguagem, o conteúdo e a narração (do querido Paulo José). O efeito foi arrebatante para mim. Trôpego, saí da sessão para ajeitar os miolos e testar se havia humanidade em mim com meu polegar opositor e telencéfalo suficiente desenvolvido. Uma dura verdade que se passa em um lixão chamado ironicamente (só pode ser!) de Ilha das Flores, no Rio Grande do Sul. Lá, os homens ficam atrás dos porcos na hierarquia do alimento: as crianças ficam com que os porcos não quiseram ficar (o seu dono, na verdade), depois que os supermercados já jogaram aquela comida fora por entenderem que ela não presta para vender para humanos! De dez em dez, eles entram no cercado e tem 10 minutos para colocarem em suas pobres sacolas a podridão de vegetais e o desprezo pela humanidade demonstrada sob a embargada voz do nosso narrador, ao som da guitarra vociferando o hino nacional. Uma pequena obra-prima.

    Rio de Janeiro, 2010. A maior ação da história carioca contra o narcotráfico. Segundo vários órgãos inclusive da imprensa internacional, uma ação sem precedentes. Soldados, fuzileiros navais, polícias civil e militar, consultores de segurança, uma cruzada contra o crime, manchete em todos os jornais. Aliás, foi uma notícia do jornal que me fez lembrar de tudo o que escrevo aqui, foi a liga para os parágrafos e a produção final desse texto. Uma mãe, em meio a tanta confusão no morro, reclama pelo seu filho, desaparecido. Moradores da Vila Cruzeiro, entretanto, parecem saber do paradeiro do rapaz, envolvido aparentemente com o crime: ele estaria na vacaria.

    Vacaria é um lugar abandonado no morro. Lá viviam vacas, eram criadas quando havia paz. Com a guerra, as vacas se foram e surgiram os porcos. De vacaria, virou porcaria mas o primeiro nome foi o que ficou. Na pocilga, os animais eram alimentados sabe-se lá como. De vez de quando, sabia-se.

    A vacaria foi apontada como destino do filho pela mãe. Sob desespero, ela cita o local, e é corroborada por outros moradores da favela, como provável paradeiro de seu filho. Mas a estada dele na vacaria é a mais improvável e triste possível. Ele era o alimento dos porcos. Sim. A vacaria é local de desova de cadáveres do tráfico. Os porcos comem os restos mortais de quem é despejado ali.

    Pensei que com a Ilha das flores, a relação entre porcos, humanidade e seres humanos não necessitaria de ser repensada, seria o limite entre o indigno e o abominável, nada poderia ser mais humilhante, como todo respeito aos porcos. Mas fui surpreendido.

4 comentários:

Ana Gabriela disse...

Lasneux, fui sua aluna já e faço biologia na unb, estava procurando no site da escola sobre monitorias como tinha, mas agora não tem nada sobre. Gostaria de saber se ainda tem monitorias no galois com alunos da unb e como é o processo, se puder me responder fico muito feliz, obrigada.

professor lasneaux disse...

Procure o professor Wanzeller na semana que vem (a partir do dia 31). Ele tem as informações.

Luciana Marinho disse...

que descoberta bacana.. teu blog! adorei os textos e principalmente a maneira agradável como tu passas informações preciosas e específicas de tua área de conhecimento. um abraço!

Anônimo disse...

Caro professor, gostaria de convidá-lo a conhecer a rede social Ecobuddy: www.ecobuddy.me

O ensino-anfioxo

Provavelmente todos os professores de biologia brasileiros vão morrer sem ver um anfioxo. Mas passam mais tempo falando de...