terça-feira, novembro 13, 2007

Síndrome de Down


 

    Recentemente, pude testemunhar duas situações interessantes sobre Síndrome de Down. Primeiro, ao ver uma gravação em estúdio de uma das maiores bandas de rock que conheço, a canadense Rush, deparei-me com o trio Lee-Lifeson-Peart tocando sua célebre "Close to the heart" com uma ajuda inusitada: um portador da síndrome nos vocais e no violão. É claro que a voz marcante de Geddy Lee sobressaía entre todos, mas estava aquele fã cuja origem desconheço. E mandou bem. Eu o invejo.

    Outro momento interessante está sendo um livro que leio. Chama-se "O guardião de memórias". Nele, Kim Edwards narra brilhantemente um dilema de arrepiar. Um médico ortopedista tem sua esposa em trabalho de parto em meio a uma madrugada cheia de neve. Às pressas, conduz a futura mamãe para o consultório dele e lá, sua assistente o ajuda a dar a luz àquela criança. Era um menino saudável. Enquanto a enfermeira tomava os primeiros cuidados com o recém-nascido, a gestante reclamava de dores, novas dores. O jovem doutor volta-se para a esposa e percebe que há uma segunda criança. Gêmeos. É uma menina – portanto gêmeos dizigóticos – mas com um perfil inconfundível: manchas esbranquiçadas na íris, olhos repuxados, prega epicântica (uma pele que vai da raiz do nariz até a parte interna da sobrancelha), o dedão afastado dos outros dedos, nariz achatado. Trata-se de Síndrome de Down. Em atitude decidida, o médico pede para que a enfermeira leve a criança para uma espécie de abrigo médico. Para a esposa, ele diz que foram gêmeos, mas a menina não resistiu...

    A síndrome de Down (em homenagem ao médico inglês John Langdon Down) é, comumente, uma aneuploidia. Trata-se de um distúrbio genético derivado de pequenas variações numéricas em torno do número esperado de cromossomos para a espécie. No caso em questão, o indivíduo apresenta 47 cromossomos, em vez de 46. O cromossomo extra pertence ao tipo 21, sendo assim, os portadores apresentam a trissomia do 21. Existem possibilidades mais raras para a origem da síndrome como a de uma mistura de células normais e trissômicas (mosaicismo) e casos em que o portador tem 46 cromossomos, mas uma mutação de outro tipo – estrutural – faz com cromossomos acrocêntricos de tipos diferentes troquem pedaços formando uma aberração não-declarada no número final de cromossomos (translocação robertsioniana). Esses pacientes têm muitos problemas, particularmente de natureza mental e cardíaca. Também apresentam problemas digestivos, infecção de ouvido recorrente, disfunções tiroidianas. A expectativa de vida é menor que a de portadores de cariótipo normal.

    É uma criação difícil, é inegável. Porém, muitos deles apresentam considerável capacidade social e até podem engajar no mercado de trabalho. Podem se tornar sim, adultos com certa independência e acima de tudo, podem amar. E ser amados. Viver, direito de todos (?).

    Há como antecipar ao problema? Sim. Exames pré-natais podem dar o diagnóstico. Ultra-sonografia (translucência nucal), exames de sangue e amniocentese. Não formas de corrigir o problema. O erro genético está disseminado ao longo do corpo. O direito sobre a vida do concepto é litigioso. Pode-se abortar? No Brasil, não. Na França, sim. Nos Estados Unidos, depende do Estado. Dados americanos mostram que 85% das mães quando sabem da síndrome optam pelo aborto. É um dilema ético que se arrasta por muitas bandeiras...

    Os portadores masculinos da síndrome são estéreis enquanto as mulheres portadoras são 50% delas férteis. A chance dela engravidar de um novo portador é de 50% uma vez que fará metade de seus gametas com o cromossomo 21 extra. Hora de impedi-las de engravidar? Só falta essa!

    Fatalidades. Apesar do problema estar mais focado em mulheres com mais de 35 anos, a maioria dos portadores surgem de gravidezes de mães com menos idade que isso, devendo-se ao fato de que as gravidezes são muito mais comuns nessa faixa etária. E os portadores são culpados das irregularidades das meioses e (raramente) das mitoses? Pode-se interferir impunemente sobre os fatos e eliminar os portadores da face do planeta autorizando o aborto global nessas condições?

    Achei muito bom o rock do Rush com seu convidado ilustre. Muito bom. Estou pedindo bis.

    

5 comentários:

Anônimo disse...

Eu sou a favor do aborto, mas claro que não de forma indiscriminada. Creio que cabe aos pais decidirem pelo futuro do filho. O que para muitos é uma benção, para alguns pode ser um fardo.

Acredito que o governador do Rio, Sérgio Cabral Neto, tenha sido feliz ao propor a legalização do aborto como forma de conter a violência no Rio de Janeiro. Por mais que vá contra os princípios de grande parte da população, é fundamentado em estudos que estabelecem essa relação e que ao meu ver, parece ser bem lógico.

Anônimo disse...

Belas palavras, Marcello!! :)
Acredito que a Síndrome de Down assusta muito os pais quando descobrem que terão um filho portador.. Mas aqueles que têm contato com essas pessoas mudam completamente o modo de ver isso..
Eles são amáveis e carentes.. Mas é claro que podem viver independentes também..
Abortar ao saber que nascerá uma criança portadora? Acredito que isso seja uma tremenda covardia.. as pessoas têm de estar preparadas para o que der e vier..

Anônimo disse...

professor,
onde você está disponibilizando as suas aulas?
no site do galois, só tem as aulas até setembro....aonde está o resto?

Anônimo disse...

Muito bom Marcello.
Assino embaixo.
Acho um absurdo a legalização do aborto. E não concordo que "os pais devem decidir o futuro dos seus filhos" não nesse sentido.Se não querem tê-los não os façam. E ainda mais...Abortar porque é portador da Síndrome de Down também não é justo. Será que temos esse direito de escolher como queremos nossos filhos? As mulheres não serão mais mães,e sim máquinas. Quem de nós não tem defeitos??

Anônimo disse...

Sou contra o aborto. Mas atualmente tenho vivido uma situação pessoal que está me angustiando muito...Tenho uma tia de 77 anos que está muito doente: Não realiza nenhuma função doméstica, só anda, come e toma banho, com o nosso auxílio. Ela tem uma filha única, Cristina, de 38 anos e que tem sindrome de down. Minha tia recebe uma pensão miserável, então eu me responsabilizei em pagar o seu aluguel e uma outra prima paga uma pessoa para tomar conta dela e da filha. O que ela ganha fica somente para comprar comida. Acontece que a filha dela - down - é extremamente agressiva. Temos a idéia de que todos os downs são sempre muito carinhosos, mas isso não é verdade. Existe variações entre eles, como em qualquer ser humano. Minha prima aperta o braço da mãe com força, empurra ela na cama e até bate nela quando está muito nervosa. E MENTE! Diz que a empregada é que faz as marcas na mãe. Só, que quando a minha tia ficou doente - há cinco anos atrás - eu vim morar no mesmo terreno que ela, ou seja, vejo tudo o que acontece. Já tentei trazê-la para morar comigo, mas minha vida virou literalmente um inferno. Minha prima down não respeitava nem a mim, nem ao meu marido e minha tia - que diga-se de passagem, nunca foi uma pessoa de muito bom senso - ficava fazendo mil exigências, sem reconhecer o nosso esforço. Sempre acreditei que o ideal seria mantê-las por perto, inclusive prejudiquei muito a minha vida profissional quando mudei-me do Centro do Rio para o bairro de Rocha Miranda (Zona Norte do Rio) onde ela mora, com o objetivo de ficar mais próxima e auxiliá-la nesse momento. Mas a realidade é que depois desses anos, não vejo nenhuma melhora na minha tia e consequentemente minha prima está cada vez mais agressiva já que não faz nenhuma atividade externa (antes fazia aulas de artesanato, dança, estudava em escola regular, etc.) Eu e meu marido somos professores e a nossa carga horária de trabalho é muito cansativa, sem contar o estresse provocado pela própria atividade profissional, além dos cuidados com o nosso filho de apenas dez meses. Não temos tempo suficiente para fazer mais do que fazemos por elas. E não temos outros parentes próximos, além da outra prima que citei, que aliás também é professora. Fazemos o possível para que elas estejam sempre bem cuidadas, mas sinto que isto não está sendo suficiente. Ficam limpas, bem alimentadas, vão aos médicos necessários, mas vivem trancadas em casa, pois também temos outras responsabilidades.
Também venho fazendo mil contatos com pessoas e instituições para tentar uma vaga para elas. Há cinco anos atrás não era o que eu queria, mas agora não estou mais aguentando a sobrecarga. Só que simplesmente não encontro nenhum local razoável e gratuito onde eu possa colocá-las juntas. Todos são pagos e MUITO CAROS e os gratuitos que visitei, se eu as colocasse lá, não conseguiria dormir tranquila! Então, sem hipocrisia, gostaria de dizer que tudo é muito simples de ser resolvido, quando é mostrado na novela das oito da Rede Globo e sofrido por famílias de classe alta, mas com a gente que é pobre, a realidade é muito diferente. O governo precisa se preocupar com a geração de downs POBRES que está chegando a idade adulta e tornando-se idosos. Quem ficará com eles depois que os pais partirem? Quem vê de fora acha que é tudo muito fácil: É só ficar com um parente. Mas não é assim...Se fosse só morar na nossa casa, tudo bem, mas e as outras implicações? E as idas semanais a médicos, psicólogos, aulas? E os outros compromissos que esses parentes possuem? Alguém se imagina abandonando um curso de Mestrado tão sonhado e tão necessário na minha profissão, para viver a situação que estou vivendo? Caros colegas, desculpem pelo desabafo!

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