A biologia do ensino básico
brasileiro pereceu. Há muito tempo que ela não é repensada. Vivendo na
Terra do Nunca, pensa que sobrevive às mudanças e aos rompimentos cognitivos,
agregando as “novidades”. Engana-se e diante do engano, vive de não-esperanças
sobre o futuro. Precisamos de uma biologia esculpida pela mãos de biólogos
engajados politicamente e polida pelo pluralidade do pensamento. Precisamos
fazer da biologia um ser com vida, fazer parte da grande evolução que ela
própria prega. É isso. A biologia, enquanto disciplina do ensino básico, está
morta.
O que ensinamos quase não ajuda com
o real, não contribui com o cidadão, com a política, com o crescimento do
indivíduo. Decorar nomes? De que valia existe nisso? Precisamos de um choque de
ordem, uma nova ordem. Uma biologia que sirva para alguma coisa, pois esta, que
moribunda por aí, é de pouca serventia. Perdemos tempo em sala de aula,
esforçando-nos para ensinar coisas as quais nossos alunos não compreendem até
porque nós mesmos não as compreendemos. Os assuntos cotidianos não são
discutidos a fundo e nem superficialmente. Precisamos mudar. Precisamos
declarar guerra (sem armas, por favor!) ao
currículo das universidades, aos “papas” que ganham fortunas com os livros
didáticos e as comissões de vestibulares que doutrinam nossos professores com
aqueles assuntos por eles determinados. Os vestibulares pouco cobram sobre cigarro, câncer, saúde
pública, dengue, anticoncepção, gravidez, drogas, doenças cardiovasculares, hábitos
alimentares, higiene bucal, lixo, compostagem, agrotóxicos, genética preditiva,
conservação dos alimentos, qualidade do ar, qualidade da água, primeiros
socorros, respeito às outras espécies, respeito à diversidade. Iludimos nossos
alunos (e a nós mesmos) com angiotensina, meristemas primários e secundários,
gastrulações, anfioxos, cifozoários, sinérgides, forâmens de panniza, helicases,
estruturas proteicas, lanternas de Aristóteles, rádulas, ciclos reprodutivos, entre
outras desnecessidades. Um currículo longo, profundo, cheio de informações, um
currículo irracional. Alguém tem de fazer alguma coisa. Precisamos sentar todos
na mesma mesa com os mesmos poderes, dialogar. Precisamos de um grande fórum
sobre o ensino de biologia ( e provavelmente esse problema é extensivo a outras
áreas do conhecimento), de ampla participação, paritário, com disposição de mudança. Precisamos nos
movimentar porque a ausência de movimento não é o que Darwin percebeu em
relação às espécies (que ironia nossa trair nossa base epistemológica!).
Precisamos usar da biologia como ferramenta para atingirmos uma cidadania mais
plena em vez de permanecer dezenas de minutos em mitoses e meioses. Esse
conhecimento enciclopédico é para aqueles que devem seguir pelo caminho
fascinante que é a da biologia, disciplina do ensino superior. Precisamos de um
saber mais prático, mais próximo do real e do verdadeiramente útil para todos. Precisamos
separar mais os currículos da licenciatura (voltado para o ensino básico) e do
bacharelado (voltado para a pesquisa e o mercado). Precisamos utilizar do nosso
precioso tempo em sala de aula para falar de automedicação, de higiene pessoal
mínima, de questionar hábitos que sejam maléficos, de adotar medidas que sejam
importantes para prevenção e promoção de saúde. Precisamos criar alunos
reflexivos e críticos, eles precisam questionar a modernidade, mola para a
grande crise, uma crise ambiental, econômica, cognitiva e de valores.
Precisamos ter tempo para criá-los. Temos que abandonar essa biologia “chapa
branca” que não diz nada e só procria o demônio da especialização, da ciência
totalitária, uma ciência acrítica e alienante. Precisamos adotar medidas de
mudança e enfrentar o sistema que aí está. Ele não leva a lugar nenhum. Não é
assim que alcançaremos os níveis dos estudantes de outros países, não é assim
que, nós, biólogos, conseguiremos dar um passo importante no sentido de
auxiliar nosso país e nosso mundo a resolver a pobreza, a iniquidade e o
desrespeito à dignidade humana. Precisamos de polemizar, de politizar a
biologia. Precisamos sair da “Royal Society” e caminhar pelas ruas. Podemos
fazer muita coisa! Enquanto um país inteiro sofre com a dengue, os professores
em sala de aula pouco falam sobre o assunto, porque são pautados pelo
vestibular e pelas “bíblias” vendidas pelas grandes editoras. O sentido único
do ensino médio é aprovar no vestibular. Então, as comissões de vestibulares
têm um papel social determinante que não vem cumprindo. Mudem o que vocês
cobram! Vocês podem mudar um país! Precisamos de bancas examinadoras
comprometidas com uma biologia engajada. Quando os “papas” e as “mamas” do
livro didático brasileiro perceberem que o que eles escrevem divergem do que se
cobra, as editoras os convocarão e lhes dirão: “decifra-me (a nova realidade)
ou devoro-te”. Ficará a critério da competência deles.
Não vou ficar aqui parado. Já
decidi. Estou em processo de produção de uma nova matriz curricular. Alguém vai
dizer: “quanta pretensão!”, “quem ele pensa que é?”, “é um zé-ninguém, ninguém
vai se importar com isso”. Não vou me importar com isso. Vou simplesmente
fazer. Espero encontrar outros que sejam dissonantes do que se é entendido como
hegemônico. Hegemônico, arcaico, alienante. Já fiz parte desse domínio mas
agora anuncio um novo amanhecer, ao menos para mim. Façamos da biologia um instrumento de
emancipação para o novo cidadão brasileiro. Vamos contribuir para acelerar a
constituição de um livre-arbítrio no brasileiro, sem as amarras impostas por
tão poucas pessoas que insistem em dominar o cenário e não dialeticamente
entendê-lo. Vamos beber da sociologia, da filosofia, da medicina, da
constituição brasileira, do direito, do serviço social, da física, da química.
Vamos fazer uma biologia transdisciplinar.
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