quinta-feira, abril 26, 2012

O Supremo e as cotas raciais

Hoje, dia 26 de abril de 2012, participei quase que involuntariamente de um momento histórico do meu país. Vai ser inesquecível para mim e tenho certeza de que para meus colegas do mestrado e doutorado em Bioética, da Universidade de Brasília. Estávamos em sala de aula para mais um dia da disciplina de "Situações emergentes" ministrada pela professora Arneide e  pela professora Rita Segato. Durante a aula, uma notícia deixou a professora Rita com os olhos embotados de lágrimas: o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional o sistema de cotas raciais nas universidades. Motivo? Rita foi a co-autora do primeiro projeto do gênero no país, para a Universidade de Brasília, apresentado em 1999.
Em 2002, o projeto foi aprovado na UnB e aplicado pela primeira vez em 2003. Recentemente, o DEM entrou com uma ação que parou no STF que votou favoravelmente às cotas. Você, leitor, perguntaria-me: você concorda?
Somos seres em construção e, dessa forma, a mudança do pensamento é aceitável, não necessitamos de tornarmo-nos reféns de posições ou frases ditas em determinado momento de uma vivência: podemos nos libertar do que acreditávamos para acreditar em novas possibilidades até diametralmente opostas às anteriores. Qual o problema? O importante é ouvir o outro, refletir, pensar.
Veja que loucura. Em 2002, quando as cotas eclodiram na UnB, fui entrevistado por uma repórter de uma grande emissora de TV. Minha resposta foi para um jornal de cadeia nacional, vários parentes ligaram sobre ser eu: e era mesmo. A pergunta era se eu concordava com o sistema de cotas. Eu disse que não, com a testa franzida, ar de indignado. Na minha visão, o tempo iria tratar de resolver a disparidade dos números entre brancos e não-brancos, e a meritocracia sustentada pelo resultado de uma prova aplicada em dois dias era o mais justo dos mecanismos de acesso. Eu tinha 32 anos. Hoje, aos 42 penso muito diferente. E faço aqui minha mea culpa.
Não vou fazer desse espaço um mural para apresentar um conjunto de explicações para a defesa das cotas mas recomendo os artigos disponíveis na internet de minha inestimada professora Rita Segato. Em suma, não podemos olhar para a estratificação social, salarial, de oportunidades, da comunicação, das chefias, da riqueza sempre desfavoráveis para os negros e índios como algo que será resolvido com políticas inclusivas de preparação, de projeção para daqui a algum tempo. O tempo é agora. Percebi pelos números que se eu tivesse nascido negro minha vida certamente teria sido muito mais difícil.  E não há nesse olhar nada de misericórdia, paternalismo e nem tampouco hipocrisia, já que tenho a pele branca. Compreendo plenamente que as oportunidades são diferentes e digo que se todos pensassem assim, um partido anacrônico e descompromissado com a realidade brasileira não teria ocupado a suprema corte com sua demanda. Para observar igualdade de oportunidades de fato, negros e pardos deveriam ocupar pouco mais de 50% de todos os postos de serviço no país já que essa é a proporção demográfica. Olhemos para o Supremo, por exemplo: 11 ministros, apenas um negro. Na Câmara de Deputados, em 2006 eram 5% em 2010, subiu para 8,5%.  É fácil manter o argumento da meritocracia quando se está do lado que vai vencer, da classe hegemônica. Se estivesse do outro lado, as coisas seriam bem diferentes. Legislar em causa própria é ratificar o modus viventi, é manter o poder, a hegemonia.

Minhas sinceras considerações para a senhora, professora Rita, tenho aprendido muito e sua luta vai ficar aí no país que adotou para viver. Hoje, uma página de nossa história foi escrita. Eu estive lá.

Um comentário:

Lustato Tenterrara disse...

Uma excelente Crônica do Cotidiano.
O foco ora em dois tons,
para arrematar em mudança de pensamento. Um grande homem célebre, o qual não lembro o nome, mas garanto que 10% da população conhece-o ou ao pensamenta: "É indicativo de inteligência alterar-se a nossa proposição frente a algum dado ou fato. Somente os grandes homens faz isso de forma salutar. O pensamento é evolutivo. Somente os medíocres nunca mudam de opinião.
Eu escrevi mais que o dito, o qual em poucas palavras disse o que gastei umas dez linhas de texto. Mas conservamos a essência.

Abraço
Lustato Tenterrara
Amor & Poesias Messenger Love & Passion of Lustato Tenterrara
Parabéns.

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